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Origens da devoção a Nossa Senhora da Abadia I

ORIGENS DA DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DA ABADIA I

Prof. Leonel Martins de Araújo

Embora a padroeira oficial do Estado de Minas Gerais seja Nossa Senhora da Piedade, assim proclamada em 31 de julho de 1960 pelo papa São João XXIII, o povo do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba tem como “padroeira regional”, Nossa Senhora da Abadia que de seu famoso Santuário, agora Basílica, da antiga Água Suja, hoje Romaria-MG, atrai milhares de romeiros durante todo o ano. O apreço do povo a esta invocação mariana é tão forte que muitas cidades decretam feriado mesmo não sendo Ela o orago municipal. Da grande piedade popular e das manifestações de fé na Senhora da Abadia é que surgiu minha curiosidade em saber as origens deste título, que, aliás, segundo minhas investigações históricas é o mais antigo de Portugal. Vamos portanto, ao longo de uma série de artigos a começar por este, compreendermos os primórdios desta devoção tão cara a nós. Sendo assim, temos que retroceder no tempo e no espaço, mais precisamente na época apostólica no século I de nossa era e compreender o processo de cristianização do mundo de então, considerando que a Igreja Católica fundamenta sua doutrina e sua estrutura governamental baseando-se em três pilares: a Revelação contida nas Sagradas Escrituras, no Sagrado Magistério que as valida e interpreta e na Sagrada Tradição, sendo esta última não menos importante e que engloba uma série de relatos orais e bibliográficos recolhidos e guardados ao longo dos séculos, constituindo um acervo memorial e histórico considerável para a pesquisa.

          Como é sabido por todos, momentos antes de sua Ascenção, Nosso Senhor deu a seguinte ordem a seus apóstolos: “… euntes docente omnes gentes…” – “… ide, pois, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…” (cf. Mt 28, 19); assim sendo cada apóstolo revestido de autoridade, e em obediência ao Senhor, partiu mundo afora, segundo a inspiração do Espírito Santo para o anúncio do Evangelho. São Tiago, chamado de o Maior mesmo sendo bispo de Jerusalém, partiu para a Hispânia, naquela época a enorme Província Romana composta pelo que seria hoje Portugal, Espanha, Gibraltar e parte do Sul da França, a fim de exercer seu múnus episcopal, que aliás, logo de início, custou-lhe muita resignação, haja vista o caráter indômito dos diversos povos ali existentes. Provado pela tibieza dos hispanos, São Tiago regressa a Jerusalém carregando o fardo do aparente insucesso missionário, onde a coroa do martírio o aguardava: “Nessa mesma ocasião, o rei Herodes começou a tomar medidas, visando a maltratar membros da Igreja. Assim, mandou matar à espada Tiago, irmão de João. E vendo que isto agradava aos judeus, mandou prender também a Pedro.” (cf. At 12, 1-3)

     Como nossos vãos planos não são os de Deus, e embora em sua primeira incursão na Península Ibérica o ardoroso apóstolo não houvesse obtido êxito, o testemunho extremo de seu amor a Cristo, provado com o sacrifício de sua vida, fez florescer uma igreja peninsular viva, pungente e viril que resiste bravamente até os dias de hoje aos ventos do laicismo e do relativismo . Assim sendo confirmou-se a máxima do célebre filósofo cristão dos primeiros séculos, Quintus Septimius Florens Tertuliano: “ Sanguis Martyrum est sêmen Ecclesia.” Quis pois a Providência que, por circunstâncias miraculosas, o corpo de São Tiago regressasse à Espanha, transformando a Galícia num dos maiores centros de peregrinações do mundo, atraindo inclusive alguns papas que foram a Santiago de Compostela como peregrinos para venerar as relíquias corpóreas do padroeira da Espanha.

        Antes porém de seu retorno a Jerusalém, e de ser o primeiro apóstolo a ser assassinado por causa de Cristo, São Tiago esteve pregando em Bracara Augusta na Lusitânia, onde sagrou e deixou, como seu sucessor na Cádetra daquela cidade por ele fundada, São Pedro de Rates. Aqui pois chegamos ao ponto crucial de nossa investigação histórica, pois é, a partir de Braga –Portugal, que o cristianismo define-se como traço indenitário indelével da cultura luso-hispânica, ostentando o arcebispo bracarense o título de Primaz das Espanhas, isto porque foi este povo o primeiro da Península Ibérica a abraçar convicto o Evangelho. Os frutos da firmeza e intrepidez dos santos lusitanos traçaram os rumos cristãos de Portugal e este, por sua vez, legou a nós, brasileiros séculos depois através do processo de colonização, não só a língua, hábitos e costumes, mas a solidez da fé católica apostólica romana e a devoção a Nossa Senhora da Abadia, surgida na vila de Bouro, arquidiocese de Braga:
”…região nortenha… povoada por cristãos fervorosos , e aí muitos mártires selaram com o sangue a fidelidade a Cristo, ao tempo da dominação romana nas perseguições de Diocleciano e Nero. Era bem possível que à altura do século VI, quando São Martinho era bispo de Dume, e do século VII, quando São Frutuoso era Bispo de Braga, na região minhota da antiga Lusitânia, houvesse religiosos nas agrestes solidões do monte S. Miguel.” ( VIEIRA: 2001,7)

Referência Bibliográfica:

BAUDES, Josep M. Os Espanhóis. São Paulo: Editora Contexto. 2006.
VIEIRA, Monsenhor Primo. Nossa Senhora d’ Abadia- A História de uma devoção. Romaria, ASA. 2001.

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Leonel Martins de Araújo

Leonel Martins de Araújo, graduado em História pela Faculdade Católica de Uberlândia, na qual especializou-se em Gestão e Políticas Publicas. Exerce o magistério a 15 anos. Atualmente é professor de História Geral e Empreendedorismo na Escola Estadual de Ensino Médio em Tupaciguara-MG e é artista autodidata.

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